Considerada branda por policias, especialistas e familiares de vítimas, a punição prevista no Código de Trânsito Brasileiro muda a partir desta quinta (19).
Um ato imprudente mudou a família Antonelli para sempre há quase um ano. Uma jovem de 20 anos atropelou o aposentado Edson Antonelli, 61, quando ele começava a pedalar – a 400 m de casa. Os mesmos agentes que confirmaram a embriaguez da mulher constataram a morte do ciclista. A pena imposta à condenada foi de dois anos e meio em regime aberto, com prestação de serviços. Considerada branda por policias, especialistas e familiares de vítimas, a punição prevista no Código de Trânsito Brasileiro muda a partir desta quinta (19), dia em que a norma 13.546, publicada em 20 de dezembro de 2017, entra em vigor.
A partir de agora, crimes como o de Mônica Karina Rocha devem ser cumpridos em regime de reclusão, que já começa com privação de liberdade, e não mais de detenção – quando há a possibilidade de pagar fiança. O tempo passa de dois a quatro anos para cinco a dez anos. Para a viúva de Edson, Rose Antonelli, 58, a modificação é uma esperança de que outras famílias não passem pelo mesmo.
Porém, isso não será o suficiente para levar embora o silêncio causado pela ausência do esposo. Foram 37 anos de convivência. “Eu ainda acordo pensando muito nele. Uso remédio para dormir”, afirma.
“Tchau. Vou pedalar” foram as últimas palavras do marido para Rose naquele domingo, 23 de abril de 2017. Em casa, no Lago Norte, ela até ouviu as ambulâncias e pensou ter sido uma batida simples. Mas era Edson, que foi atropelado, arrastado por alguns metros e arremessado para o canto da pista. Os pertences ficaram jogados pela via.
“Meu filho foi o primeiro a ir ao local. A gente ensina tanta coisa aos filhos, mas nunca a reconhecer o corpo de um pai. Na hora em que soube que era ele, eu perdi o ar. Não conseguia respirar direito. Era uma pressão interna que parecia que eu ia ficar louca. Meu umbigo parece que parou nas costas”, lembra a paisagista Rose, que ainda perdeu a sogra. Ao saber da morte de Edson, a mãe dele sofreu um ataque fulminante e faleceu.
Confira a entrevista de Rose Antonelli ao Jornal de Brasília:
Embriaguez
Segundo o DER, que apurou as informações iniciais do acidente, o bafômetro registrou 0,85 mg/l, limite três vezes acima do permitido, que é 0,3 mg/l. A jovem, que havia deixado uma festa horas antes, foi conduzida à 6ª DP e liberada após pagar fiança no dia seguinte.
Ela foi indiciada por homicídio culposo – quando não há intenção de matar – e embriaguez ao volante. A sentença saiu em 13 de dezembro passado. Além da pena em regime aberto, ela teve a habilitação suspensa por quatro meses.
A esposa de Edson avalia que a justiça não foi feita neste caso, mas acata o que foi decidido. “Para mim, houve uma perda grave. Para ela, não houve nem serviço em um local onde pudesse perceber o erro que cometeu. Fica a mensagem de que houve impunidade”, complementa. Até hoje, não houve pedido de desculpas. A exceção foi uma mensagem, por Facebook, de um familiar de Mônica.
A reportagem procurou a condenada Mônica Karina, porém, sua defesa afirmou que ela não tem interesse em falar sobre o assunto. “O episódio não a fez bem, ela ficou muito abalada”, afirma o advogado de defesa Raphael Castro Hosken.
Para ele, é comum que a família espere uma pena mais grave, mas defende que foi adequada. “Não tem agravantes que justificassem a majoração da pena”, destaca.
Legislação não será suficiente se o condutor não mudar comportamento
Na avaliação de quem lida com a legislação, a mudança é bem-vinda, mas ainda é preciso avançar tanto nas normas quanto no comportamento, pois há muitos motoristas que dirigem embriagados. Segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), 40% dos acidentes têm algum envolvido sob efeito de álcool.
Para o especialista em trânsito Márcio de Andrade, o fator educativo da lei é primordial: “A pessoa já começa a pagar a pena em regime fechado. Se eu beber, dirigir e matar, sei que irei para a cadeia. As pessoas vão pensar duas vezes”, diz.
De todo modo, para ele, a lei veio com atraso de décadas, o que poderia ter evitado mortes. Ademais, existem lacunas em relação ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que precisam ser modificadas, como a alta velocidade e a embriaguez ao volante sem homicídio.
O diretor de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Detran-DF, Glauber Peixoto, também concorda que a norma seja benéfica e aguarda que, em um curto período, o número de acidentes diminua e as pessoas fiquem mais atentas. “A sensação de impunidade também vai diminuir, pois hoje a premissa é de que, mesmo que uma pessoa beba, atropele e mate, não vai ocorrer nada com ela. A prisão era rara”, observa.
Já o delegado João Ataliba Neto, da 1ª DP (Asa Sul), entende que a nova lei não resolve a situação quando o caso chega à delegacia, mas torna interessante devido à penalidade maior.
Ataliba cuidou do caso do racha da L4 Sul, no dia 30 de abril de 2017, que vitimou mãe e filho. Os acusados esperam o julgamento da sentença em regime aberto. Para o delegado, é importante que haja modificação na norma para entender quando há o dolo (intenção) eventual, pois a pena para esse tipo de crime poderia crescer.
SAIBA MAIS
Além da pena de reclusão, a partir de agora haverá a suspensão ou proibição do direito de dirigir por tempo a ser determinado pela Justiça.
A lei teve origem em projeto de lei proposto pela deputada Keiko Ota (PSB-SP). Porém, ao publicá-la, o presidente Michel Temer (MDB) vetou o artigo que previa a substituição de pena de prisão por pena restritiva de direitos, quando há rachas.
À época, o Palácio do Planalto informou que o veto foi para dar segurança jurídica ao projeto.
Em relação ao caso da L4 Sul, o processo ainda está sendo julgado. Neste mês, houve uma audiência de instrução onde os réus foram ouvidos e deram a sua posição sobre os fatos.
Para o delegado responsável pelo indiciamento, não há dúvida sobre o consumo de álcool e a existência de racha.
Fonte: Jornal de Brasília