Em nota divulgada na tarde desta quinta-feira (12), a diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Irina Bokova, lamentou a retirada dos Estados Unidos da entidade.
Ela reafirmou a missão universal da Unesco e manifestou pesar pela saída do país, lembrando que é também uma perda para o multilateralismo. Os EUA suspenderam as contribuições para a Unesco em 2011.
Leia a nota completa:
“Após receber notificação oficial do secretário de Estado dos Estados Unidos, sr. Rex Tillerson, como diretora-geral, gostaria de expressar meu profundo pesar com a decisão dos Estados Unidos da América de se retirar da UNESCO.
A universalidade é crucial para a missão da UNESCO de fortalecer a paz e a segurança internacional, diante do ódio e da violência, para defender os direitos humanos e a dignidade.
Em 2011, quando o pagamento das contribuições do Estado-membro foi suspenso na 36ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, eu disse que estava convencida de que a UNESCO nunca foi tão importante para os Estados Unidos, ou os Estados Unidos para UNESCO.
Isso é ainda mais verdadeiro hoje, quando o aumento da violência extremista e do terrorismo pede novas respostas de longo prazo para a paz e a segurança, para combater o racismo e o antissemitismo, e lutar contra a ignorância e a discriinação.
Eu acredito que o trabalho da UNESCO para fazer avançar a alfabetização e a educação de qualidade é compartilhado pelo povo norte-americano.
Eu acredito que as ações da UNESCO para utilizar as novas tecnologias em favor da melhoria da aprendizagem são compartilhadas pelo povo norte-americano.
Eu acredito que as ações da UNESCO para aprimorar a cooperação científica, para a sustentabilidade dos oceanos, são compartilhadas pelo povo norte-americano.
Eu acredito que as ações da UNESCO para promover a liberdade de expressão e defender a segurança de jornalistas são compartilhadas pelo povo norte-americano.
Eu acredito que as ações da UNESCO para empoderar meninas e mulheres como realizadoras de mudanças e construtoras da paz são compartilhadas pelo povo norte-americano.
Eu acredito que as ações da UNESCO para reforçar sociedades que enfrentam emergências, desastres e conflitos são compartilhadas pelo povo norte-americano.
Apesar da retenção de fundos, desde 2011, nós aprofundamos a parceria entre os Estados Unidos e a UNESCO, a qual nunca foi tão significativa.
Juntos, nós trabalhamos para proteger o patrimônio cultural da humanidade compartilhado, que enfrentou ataques terroristas, e para prevenir a violência extremista, por meio da educação e da alfabetização midiática.
Juntos, nós trabalhamos com Samuel Pisar, embaixador honorário e enviado especial para a Educação sobre o Holocausto, para promover a educação pela lembrança do Holocausto em todo o mundo, como meio de combater o antissemitismo e o genocídio na atualidade, incluindo, entre outros, a Cátedra UNESCO para a Educação sobre o Genocídio, na Universidade do Sul da Califórnia, e a Cátedra UNESCO de Alfabetização e Aprendizagem, na Universidade da Pensilvânia.
Juntos, nós trabalhamos com a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), para produzir novas ferramentas para educadores contra todas as formas de antissemitismo, assim como fizemos para combater o preconceito contra muçulmanos nas escolas.
Juntos, nós lançamos a Parceria Global pela Educação de Meninas e Mulheres, em 2011.
Juntos, com a comunidade acadêmica norte-americana, incluindo as Cátedras UNESCO de 17 universidades, nós trabalhamos para fazer avançar a alfabetização, promover as ciências para a sustentabilidade e ensinar o respeito por todos nas escolas.
Essa parceria foi incorporada em nossa interação com o Serviço Geológico dos Estados Unidos (United States Geological Survey), o Corpo de Engenheiros do Exército Norte-americano e com sociedades profissionais dos Estados Unidos para fazer avançar pesquisas sobre administração sustentável de recursos hídricos e agricultura.
Essa parceria foi incorporada na celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, em Washington, DC, em 2011, com o Fundo Nacional para a Democracia.
Essa parceria foi incorporada em nossa cooperação com as principais empresas norte-americanas do setor privado, com a Microsoft, a Cisco, a Procter & Gamble e a Intel, para manter meninas na escola e desenvolver tecnologias para a aprendizagem de qualidade.
Essa parceria foi incorporada na promoção do Dia Internacional do Jazz, inclusive na Casa Branca, em 2016, para celebrar os direitos humanos e a diversidade cultural com base na tolerância e no respeito.
Essa parceria foi incorporada nos 23 sítios do Patrimônio Mundial, que refletem o valor universal do patrimônio cultural dos Estados Unidos, em 30 Reservas da Biosfera, que incorporam a vasta e rica biodiversidade do país, e em seis Cidades Criativas, como fonte de inovação e criação de empregos.
A parceria entre a UNESCO e os Estados Unidos foi profunda, porque foi construída em valores compartilhados.
O poeta, diplomata e bibliotecário do Congresso Norte-americano, Archibald MacLeish, escreveu as linhas que abrem a Constituição da UNESCO, de 1945: “Uma vez que as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é nas mentes dos homens que devem ser construídas as defesas de paz”. Essa visão nunca foi mais relevante.
Os Estados Unidos ajudaram a inspirar a Convenção do Patrimônio Mundial de 1972.
Em 2002, um ano após os ataques terroristas de 11 de Setembro, Russel Train, o então chefe da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e fundador do Fundo Mundial de Vida Selvagem, que tanto fez pelo lançamento da Convenção do Patrimônio Mundial, disse: “Neste momento da história, em que a estrutura da sociedade humana parece cada vez mais sob o ataque de forças que negam a existência de um patrimônio compartilhado, de forças que atacam o coração do nosso senso de comunidade, estou convencido de que o Patrimônio Mundial oferece uma visão contrária e positiva da sociedade humana e do nosso futuro humano”.
O trabalho da UNESCO é fundamental para fortalecer os laços de patrimônio comum da humanidade, diante das forças do ódio e da divisão.
A Estátua da Liberdade é um sítio do Patrimônio Mundial, porque é um símbolo que define os Estados Unidos da América e também pelo que diz para as pessoas em todo o mundo.
O Salão da Independência, onde foram assinadas a Declaração de Independência e a Constituição, é um sítio do Patrimônio Mundial, porque sua mensagem dialoga com formuladores de políticas e ativistas em todo o mundo.
Os Parques de Yosemite, Yellowstone e o Grand Canyon são sítios do Patrimônio Mundial, porque são maravilhas para todos, em todos os países.
Isto não é somente sobre o Patrimônio Mundial.
A UNESCO em si carrega essa “visão positiva da sociedade humana”.
No momento em que o combate à violência extremista pede maiores investimentos em educação, no diálogo entre culturas para prevenir o ódio, é profundamente lamentável que os Estados Unidos se retirem da agência líder das Nações Unidas que trata desses assuntos.
No momento em que conflitos continuam a separar sociedades em todo o mundo, é profundamente lamentável que os Estados Unidos se retirem da agência das Nações Unidas que promove a educação para a paz e a proteção da cultura que está sob ataque.
É por isso que eu sinto muito pela retirada dos Estados Unidos.
Isso é uma perda para a UNESCO.
Isso é uma perda para a família das Nações Unidas.
Isso é uma perda para o multilateralismo.
A tarefa da UNESCO não está concluída, e nós vamos continuar a levá-la adiante, para construir um Século XXI que seja mais justo, pacífico, igualitário e, para isso, a UNESCO precisa da liderança de todos os Estados.
A UNESCO irá continuar a trabalhar pela universalidade desta Organização, pelos valores que compartilhamos, pelos objetivos que mantemos em comum, para fortalecer uma ordem multilateral mais eficiente e um mundo mais pacífico e justo.”
Da Agência Brasil