Amantes de São Jorge organizam feijoada no Rio para celebrar o dia do santo

Caio Miguel/Acervo pessoal

Caio Miguel é membro de um grupo de amigos que todos os anos economizam um pouco de dinheiro para uma ocasião especial em abril. Desde a infância, ele e sua família organizam festas de feijoada em homenagem a São Jorge.

O dinheiro guardado pelo grupo é utilizado para a feijoada, realizada no meio de uma rua no bairro de Realengo, na zona oeste da cidade, todo dia 23 de abril. A celebração reúne amigos que, como Caio, são devotos do chamado Santo Guerreiro e gostam de celebrar a data.

“Sempre fizemos feijoadas em família. Meu pai é muito devoto de São Jorge, assim como eu. Tenho uma conexão muito forte com este santo guerreiro; minha irmã nasceu neste dia. Sou católico, tenho muita fé e essa tradição é muito importante para nós”, conta.

Caio costumava participar de feijoadas na casa de amigos que, há algum tempo, decidiram se unir para promover a festa na rua, conhecida como “Feijoada dos Amigos”, que, segundo ele, reúne apenas “pessoas do bem”.

“Sempre nos preocupamos em manter a atmosfera positiva. Queremos ter pessoas de coração bom, com energia positiva, ao nosso lado para celebrar este dia tão especial”.

Apesar de São Jorge ser um santo católico, a celebração de seu dia, 23 de abril, com feijoadas vai além das fronteiras religiosas. A origem da festividade remonta às religiões de matriz africana.

“No Brasil, o culto a São Jorge é marcado principalmente pelo sincretismo, onde o orixá Ogum é central”, explica João Victor Gonçalves Ferreira, mestre em educação, que pesquisou sobre as festividades de São Jorge na cidade do Rio de Janeiro.

Durante o período da escravidão, os africanos trazidos à força para o Brasil associaram seus orixás a figuras católicas para continuarem praticando seus cultos ancestrais sem interferência dos escravistas cristãos. Assim surgiu o sincretismo religioso brasileiro.

Ogum, o deus do ferro e da guerra na mitologia iorubá, foi associado a São Jorge, um soldado romano martirizado em nome da fé cristã.

Ogum é também o orixá da agricultura e, no Brasil, seu culto está relacionado à feijoada, um prato tipicamente brasileiro, feito com base em uma semente leguminosa que ocorre tanto na África quanto nas Américas e que se tornou um dos alimentos sagrados no candomblé, o feijão (Phaseolus sp).

O início dessa tradição é atribuído a Procópio Xavier de Souza, conhecido como Pai Procópio, do Ilê (terreiro) Ogunjá, em Salvador, ainda no início do século 20. Há várias versões sobre a origem da feijoada.

Uma delas relata que Pai Procópio teria tido um desentendimento com um filho de santo e negado comida em sua casa. Como consequência, teria sido repreendido pelo orixá Ogum, que ordenou ao babalorixá que realizasse uma grande feijoada e convidasse várias pessoas, especialmente o filho de santo.

A feijoada tornou-se uma tradição em Ogunjá e espalhou-se para outros terreiros, residências e locais comunitários pelo país.

“O deus da tecnologia, da agricultura [Ogum], é associado a um santo católico muito popular, ambos representando vitória, combate e superação das dificuldades da vida cotidiana, de prover comida. Ambos são mencionados frequentemente pelas pessoas em momentos de dificuldade”, explica Ferreira. “Esse deus da agricultura adota o feijão como alimento típico do Brasil, e São Jorge passa a compartilhar essa feijoada com ele”.

No Rio de Janeiro, samba e devoção se entrelaçam. É também tradição no estado que escolas de samba ofereçam a feijoada de Ogum/São Jorge. A atual campeã do carnaval carioca, a Unidos do Viradouro, de Niterói, é uma delas.

“Tanto eu quanto o mestre-sala, Julinho [Nascimento], somos muito devotos de São Jorge”, explica a dançarina Rute Alves, porta-bandeira da escola de samba. “O Julinho tem um filho que nasceu no dia 23 e se chama Jorge. Aqui [na Viradouro], a feijoada não é apenas uma festa, mas também marca o início dos preparativos para o próximo carnaval. É um momento especial para nós”.

Da Redação